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O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO À LUZ DOS PRINCÍPIOS

O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO À LUZ DOS PRINCÍPIOS

 O IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA, O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

 

 

INTRODUÇÃO                                                                                                            2

 

1 AS DUAS CORRENTES                                                                                             5

 

2 OS QUE ADVOGAM O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA  JURÍDICA                                                                                                                   8           

 

3 OS PRINCÍPIOS DA PROPROCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE         

 

3.1 Doutrina                                                                                                           16

         

3.2 Jurisprudência                                                                                                   18

 

3.3 Outras considerações                                                                                         19

 

4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO                                                                             24

 

5 O PARÁGRAFO ÚNICO DOART. 116 DO CTN                                                       31

 

6 CONCLUSÃO                                                                                                         35

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS                                                                           36

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Há tempos que a sociedade brasileira presencia um debate no campo jurídico tributário que se bem dos mais profícuos, em razão dos profundos temas levantados e dos debates acalorados, tem contribuído de forma não menos importante para o entorpecimento da evolução do direito tributário brasileiro, comparativamente a outros sistemas tributários alhures. 

Refiro-me a questão do planejamento tributário no direito brasileiro e de seu alcance. 

Este trabalho visa levantar algumas questões sobre o tema com um enfoque nos princípios constitucionais, de forma não só a acirrar ainda mais os debates, já bastante extensos, mas também contribuir timidamente para um reforço de uma posição que já se delineou e se afirmou, embora não tenha alcançado ainda o destaque insofismável de sua supremacia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. 

A questão do planejamento tributário se apresenta basicamente no direito brasileiro sob duas correntes que há anos debatem o tema sem que na prática se tenha alcançado resultados significativos para uma sociedade que demanda um porvir de um novo direito calcado nos princípios constitucionais da C.F. de 1988 e que já alcançou em outros ramos resultados expressivos como é o caso do Código de Defesa do Consumidor e mais recentemente com o novo Código Civil, para citar apenas os exemplos mais expressivos. Estes, em síntese, representam a nova forma de pensar o direito, visto como uma relação dinâmica, não represado em normas absolutas que prevalecem em quaisquer circunstâncias independentemente das condições concretas em que se apresentam. 

De um lado temos uma gama expressiva de tributaristas que se filia a doutrina de que no sistema tributário brasileiro prevalece a tipicidade fechada, (comentários em item específico) e que por este motivo não cabem normas gerais antielisivas, vale dizer normas que desconsideram o planejamento tributário. Dentre os seus defensores mais destacados podemos citar, sem desprezo para com os demais, os tributaristas Alberto Xavier, Ives Gandra, Hugo de Brito Machado, Luciano Amado, Sacha Calmon , Misabel e tantos outros, cuja falta de citação não é demérito. 

No pólo oposto, uma outra corrente expressiva de tributaristas, Marco Aurélio Greco, Ricardo Lobo Torres, Marcus Abraham, Luciano Aloar Bogo, que têm debatido o tema com proposições bastante inovadoras, tendo em vista o porvir de um novo direito, em sintonia com os novos conceitos e princípios constitucionais, situando-se muitas vezes alguns passos além das concepções mais simplórias deles e extraindo deles mesmos conclusões valiosas, que pretendem atender a uma sociedade em transformação, que requer novas posturas. Da mesma forma, a de citação aos demais não significa demérito. 

Em virtude dos grandes interesses financeiros e econômicos envolvidos e de um apetite voraz do fisco, muito dos argumentos se disfarçam sob a mascara da cientificidade. Portanto, convém lembrar que, com as devidas ressalvas, neste assunto prevalece o dito popular do cachimbo: “o uso do cachimbo amolda a boca” ou faz a boca torta.Ou seja, também neste caso podem prevalecer interesses econômicos e outros, sob o disfarce de debates estritamente “científicos”. Convém separar o joio do trigo, o que tem sido a tarefa de alguns. 

O propósito deste trabalho é trazer uma pequena contribuição ao debate sobre o planejamento tributário, sob uma nova ótica, ou seja, através dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. 

É importante que se diga que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm analisado os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, no direito tributário brasileiro, sob um enfoque que privilegia os direitos dos contribuintes frente ao Estado opressor, sendo, portanto, tal enfoque dominado por uma visão unilateral, em que tais princípios devem reger e prevalecer tanto na elaboração das leis quanto no aspecto jurisprudencial, em proteção aos contribuintes. 

Neste ensaio propomos uma inversão desta perspectiva, ou seja, a análise destes princípios pelo lado do contribuinte, ou melhor, esclarecendo, demonstrar que também tais princípios são aplicáveis aos contribuintes, aos seus procedimentos, às suas opções frente à legislação. 

Desse modo, a questão passa a ser se os procedimentos dos contribuintes frente à Lei, suas opções e outras circunstâncias que cercam estes procedimentos também se submetem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em consideração a legislação tributária. 

Ao demonstrarmos isto nos distanciamos dos desgastantes debates sobre o tema do planejamento tributário e nos situamos em uma outra fonte de interpretação, distante das tradicionais, que já estão devidamente conhecidas. 

Ao mesmo tempo, proporcionaremos um alcance interpretativo que coloca novas questões sobre a oportunidade do parágrafo único do artigo 116 do C.T.N., que propõe norma antielisiva, a depender, segundo alguns, de regulamentação legal. 

Acredito que os princípios constitucionais mencionados têm a resposta adequada para uma avaliação da questão do planejamento tributário, no direito brasileiro, viabilizando uma interpretação que corresponde às exigências de uma nova ordem jurídica baseada na solidariedade como devir de uma nova sociedade, conforme as aspirações do novel texto constitucional. 

A restrição colocada, análise do planejamento tributário em relação ao IRPJ, se deve tão somente a maior familiaridade do autor com este imposto e não importa em qualquer situação de prevalência deste em relação aos demais. 

Pelo contrário, acredito que os argumentos e as questões aqui expostos poderão ser úteis na análise do planejamento tributário em relação a estes outros impostos, que em momento oportuno poderão também vir a ser objeto de análise. 

Sobre a especificidade dos impostos advoga Torres (2006, p. 154): 

... ora se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se completam e se intercomunicam. No direito tributário os métodos variam de acordo até com o tributo a que se aplicam: os impostos sobre a propriedade postulam a interpretação sistemática porque apoiados em conceitos de Direito Privado; os impostos sobre a renda e o consumo abrem-se à interpretação econômica, porque baseados em conceitos elaborados pelo próprio Direito Tributário ou em conceitos tecnológicos. Os métodos de interpretação, por conseguinte, devem ser estudados dentro da visão pluralista. 

          Por último, cabe um alerta. Não há pretensão de esgotar todo o assunto, fazendo com que todos os casos de planejamento tributário de imposto de renda das pessoas jurídicas estejam previstos nas situações expostas, mas, principalmente, abrir um novo canal de interpretação, mostrando que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade poderão ser ferramentas úteis e importantes na análise dos casos concretos, sobrepujando, até mesmo outras formas de interpretações mais tradicionais, como a fundada no princípio da unidade ou interconexão entre os demais ramos do direito.  

          Segundo Torres (2006, p. 55): 

Atua na interpretação da Constituição Tributária, harmonizando os seus diversos subsistemas e compatibilizando-os com os outros sistemas constitucionais, bem como na do Direito Tributário de nível ordinário, equilibrando as suas normas e princípios com os dos outros ramos do Direito. 

         Teremos oportunidade de mostrar que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade comportam os conceitos jurídicos de abuso do Direto, abuso das formas e propósito negocial.   

 

 

1 AS DUAS CORRENTES

 

          Na realidade, o que se tem verificado, num primeiro plano, é um confronto de princípios, com cada corrente acreditando dever prevalecer um princípio que se alinha com o seu pensamento. Assim, do lado da corrente mais tradicional realça o princípio da legalidade ( tipicidade fechada), da liberdade negocial  e da segurança jurídica, sendo este último o argumento mais forte, tendo em vista que o argumento da tipicidade fechada leva quase sempre em consideração a segurança jurídica e vice-versa. 

O princípio da legalidade ou da tipicidade fechada não subsiste por si só. Ele necessita do princípio da segurança jurídica para lhe dá sustentação. 

Segundo Amaro (2005, p. 231): 

Em certa medida confundindo-se com o abuso da forma, o abuso do direito traduzir-se-ia em procedimentos que, embora correspondentes a modelos abstratos legalmente previstos, só estariam sendo concretamente adotados para fins outros que não aqueles que normalmente decorreriam de sua prática.

A teoria do abuso da forma (a pretexto de que o contribuinte possa ter usado uma forma “anormal” ou “não usual”, diversa da que é “geralmente” empregada) deixa ao arbítrio do aplicador da lei a decisão sobre a “normalidade” da forma utilizada. Veja-se que o foco do problema não é a legalidade (licitude) da forma, mas a “normalidade”, o que fere,  frontalmente, os postulados da certeza  e da segurança do direito. 

Na corrente oposta levantam-se os princípios da capacidade contributiva (art. 145, § 1°, da CF), da isonomia (art. 5, caput, da CF), do Estado Democrático de Direito ( art. 1), da função social da propriedade (art. 170, III e art. 5, XXII da C.F.), do princípio da solidariedade( art. 3, I da CF) . Além disto, a corrente mais inovadora se socorre de institutos do Direito Privado para reforçar as suas posições doutrinárias e contestar ou não a validade do planejamento tributário, tais como o abuso do direito (art. 187 do CC/02), a função social do contrato (art. 421 do CC/02), o falso motivo (art. 140 do CC/02), a boa-fé (art. 113 do CC/02), da fraude à lei (art. 166, VI, do CC/02), etc. 

Apenas a título de um breve esclarecimento, citemos Greco (1998, p. 28), sobre este Estado democrático de Direito: 

Ocorre que o Brasil não é um estado de Direito. Não vivemos num Estado de Direito. Se analisarmos a Constituição, e lermos o que nela está escrito, vamos encontrar algo completamente diferente; vamos encontrar uma regra expressa (artigo 1°) prevendo que o Brasil é um Estado Democrático de Direito.  O que significa dizer que o Brasil é um Estado Democrático de Direito? O que é este “Democrático” que foi inserido no conceito? Isto advém de uma segunda concepção de Estado que corresponde ao chamado estado Social, visto como aquele, que dá predominância aos valores solidariedade, isonomia, etc. 

A corrente mais tradicional também invoca a proibição da analogia para a exigência de tributos não previsto em lei, conforme disposto no § 1°, do art. 108, do CTN, motivo de pronunciamento por parte de Marco Aurélio Greco, em Borges (2004, p. 134): 

A diferença está na maneira como se enxerga o fato, a divergência está na qualificação jurídica que cada uma das partes está dando ao mesmo fato. E é aí que surge todo o debate sobre a analogia, embora nisto não exista analogia. Quando se trata de planejamento não se trata de pegar a lei A, que se refere a ganho de capital na alienação de participação societária, e aplicá-la ao fato B por analogia, que seria o fato do aumento de capital seguido de cisão seletiva. O fisco está dizendo: desde o início que você sempre fez foi uma venda de participação societária. Portanto, o fato é o fato que está previsto na lei, não está fazendo malabarismos extra-típicos, nada disso.  

Mas, como veremos, toda a discussão a nível infraconstitucional cai por terras quando tratarmos dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, muito embora estas argumentações sirvam para dar maior consistência às teses defendidas.  

Portanto, num primeiro momento, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade     deveriam ser levantados para calibrar as decisões entre os outros princípios diante das situações concretas.  

          No entanto, creio que o assunto também possa ser analisado levando-se em consideração a especificidade de cada tributo à luz de outros princípios constitucionais, tais como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Isto não quer dizer que me coloco em posição contrária aos que se posicionam em favor de novos paradigmas no estudo do planejamento tributário. Pelo contrário, o posicionamento aqui proposto vem fortalecer esta corrente inovadora à medida que os princípios constitucionais mencionados podem abranger institutos e normas jurídicas do direito civil. 

Nunca é demais lembrar que o Código Tributário Nacional estabelece no seu artigo 149, Inciso VII que o lançamento será revisto em caso de simulação, fraude e dolo, institutos do direto privado. Isto quer dizer que, embora timidamente, o Código já apontava para uma direção que viria desencadear todo um pensamento posterior à medida que o planejamento tributário evoluía como forma prevalecente de economia de impostos, sofisticando os métodos empregados. 

Também se deve salientar que alguns dos institutos do direito privado não constavam do Código Civil de 1916, mas a doutrina e a jurisprudência, a contrario sensu, reconhecia tal instituto, que posteriormente foi albergado pelo Novo Código Civil de 2002, como é o caso do abuso do direito previsto no artigo 187 do C.C/02. 

Nas palavras de Tepedino (2004, p. 341): 

No Brasil o Código de 1916 não contemplava expressamente a figura do abuso do direito. Referia-se, todavia, ao exercício regular do direito como hipótese em que o prejuízo não era indenizável (art. 160). Dessa referência extraia a doutrina, a contrario sensu, que o exercício irregular (rectius: abusivo) de um direito era coibido, gerando o dever de indenizar.

O artigo 187 do CC vem corrigir a omissão. 

         Aqui o que está em discussão é se os institutos do direito privado podem e devem ser aplicados ao direito tributário. 

         Mas independentemente e além desta discussão, é importante enfatizar que a mutação do direito se dá tanto na esfera legislativa quanto na administrativa e judicial e também através da doutrina. 

         Citando Derzi (2008, p. 676): 

Como já observamos nos comentários ao art. 100, a contínua mutação do Direito, eternamente descoberto e revelado, pode se realizar, portanto:

œ por meio de atos legislativos, que alterem as fórmulas e signos lingüísticos, produzindo nova lei para regular diretamente a mesma matéria; ou que criam novo contexto normativo modificador do sentido ou validade da lei antiga;

œ por meio de atos administrativos e judiciais, que sem produzirem novo enunciado legislativo, atribuem à lei antiga sentido diverso, inovando o seu objeto, a norma que ela significa. Assim, sem que o Poder Legislativo tenha editado lei nova, norma nova pode aflorar das lei.  

O planejamento tributário, em muitas situações, fere o princípio da capacidade contributiva (artigo 145, § 1° da CF)porque permite que um contribuinte que aufira rendimento semelhante a um outro possa se beneficiar, através dos mecanismos jurídicos utilizados, de uma redução do tributo, criando dessa forma uma tributação anacrônica, em que a capacidade contributiva fica a mercê de subterfúgios. 

Quanto à isonomia: pode-se indagar que utilizando o conceito de isonomia um planejamento fiscal expressa um fato idêntico ou semelhante em sua natureza e efeitos em relação à situação de fato que se pretendeu excluir ou substituir sob vias transversas? 

 

 

2 OS QUE ADVOGAM O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA

 

Conforme já mencionado, na introdução deste trabalho, a questão do tratamento jurídico a ser dado ao planejamento tributário é assunto de longa data, para não dizer de décadas de discussões e indefinições. De todo, cabe reconhecer que a corrente que se posiciona pela legalidade e segurança jurídica ao longo destas décadas prevaleceu, pelo menos nas situações mais concretas, porque os nossos tribunais, muito embora reconheçam ou possam reconhecer argumentos e os fundamentos dos que apregoam e se posicionam pelas normas antielisivas se apegam ao conceito da legalidade e da segurança jurídica, como força da tradição. 

Como exemplo, podemos citar Baleeiro (Derzi, 2008,  p. 685 e 686): 

O princípio da legalidade é assim cogente. A segurança jurídica, a certeza e a confiança norteiam a interpretação (p. 685).

O Poder Judiciário, por diversas vezes, já ratificou este entendimento. Cite-se, por exemplo, a questão surgida em torno da interpretação do contrato de arrendamento mercantil, que mereceu decisão irreparável, proferida por Sacha Calmon, quando juiz de primeira instância, e confirmada pelos tribunais superiores. 

          Segue trecho da decisão (p. 686), onde se pode perceber, em entrelinhas, também, a preocupação com a segurança jurídica: 

À guisa de intróito, para bem vincar a posição do juízo, não tenho a menor dúvida quanto ao fato de estarem as empresas de leasing e suas contratantes tirando vantagens econômicas e fiscais possíveis da insuficiente regração da espécie. Todavia, penso que as lacunas da lei, os loopholes, como dizem os americanos, só devem ser suprimidos pela lei para o bem de todos. Ainda que alguns estejam levando vantagem, é preferível o manter o princípio da legalidade do que estender ao Administrador poderes que amanhã se tornariam muito difíceis de controlar, além de impor ao Judiciário, como poder revisor do ato administrativo, a obrigação de estar a verificar, caso a caso, a razoabilidade fiscal dos contratos. Haveria, neste caso, grandes divérbios, pois cada juiz julgaria com o seu próprio subjetivismo as situações e os interesses do justiçáveis.     

De qualquer modo, sou de opinião que o agir da Ré, esforçada na “interpretação econômica” dos fatos tributáveis, não encontra respaldo na lei. O art. 109 do CTN que muitos imaginaram justificar a chamada interpretação econômica, em verdade, não chega a tanto, se conjugado com o art. 110, que se lhe segue, e o § 1 ° do art. 108, proibitivo do uso da analogia para deduzir imposto não previsto em lei. 

Ainda a professora Derzi (Baleeiro, 2008, p.688) registrou oportunamente um desses momentos cruciais ao citar o autor do Anteprojeto Aranha-R.G. Sousa, cujo artigo 74 tratava da interpretação econômica da legislação tributária: 

80. O art. 74 (desse anteprojeto) dispõe que a interpretação da legislação tributária visará a sua aplicação em função dos resultados, efetivos ou potencias, dos atos, fatos ou situações jurídicas que sejam objeto de tributação ainda que não nominalmente referida na própria lei. A norma atinge, assim, um duplo objetivo: afasta o método superado da interpretação literal, e orienta a interpretação da lei tributária no sentido da pesquisa do conteúdo econômico das situações materiais ou jurídicas que sejam de tributação, segundo já admite a jurisprudência”. 

          E complementa a autora (p.689): 

Para a maior comodidade do leitor, esclarecemos que o art. 74 do Anteprojeto Aranha-R.G. Sousa acima referido dizia: “A interpretação da legislação tributária visará à sua aplicação não só aos atos ou situações jurídicas nela nominalmente referidos como também àqueles que produzam ou sejam suscetíveis de produzir resultados equivalentes”. Essa disposição foi abandonada pelo C.T.N., que nada contém de semelhante. O art. 75 daquele Anteprojeto, com pequena diferença de redação, é o art. 108 do C.T.N.

Parece certo, pois que o C.T.N. se apresenta tímido quanto à interpretação econômica: insinua-a, mas não a erige como princípio básico, proclamando pelo contrário, o primado do Direito privado quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance dos institutos, conceitos e formas deste ramo jurídico [...] 

Num certo sentido é difícil mudar tradições e para isto se requer uma dose de audácia, sem a qual não se consegue implantar nas mentalidades as novas concepções, que via de regra geram incertezas, e porque não dizer incompreensões e até mesmo abusos, até que se firmem e que possam, por outro modo, dar garantia à segurança jurídica, tão ressaltada e admirada. 

Entretanto, se observa tendência atual no sentido de rever os posicionamentos anteriores, situando-os no contexto mais amplo que envolve os novos paradigmas constitucionais, previstos na Constituição de 1988, onde as concepções meramente individualistas, baseadas na igualdade formal, cederam lugar à prevalência do social sobre o individual. 

Esta corrente invoca os princípios da legalidade, mais especificamente o da tipicidade fechada, e da segurança jurídica como fundamentos aos seus argumentos. 

O princípio constitucional da legalidade encontra-se explicitamente citado na Constituição Federal de 1988, no artigo 5°, inciso II, no Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, de forma ampla e genérica; e no artigo 150°, § 6°, na seção II, Das Limitações do Poder de Tributar, do capítulo I, Do Sistema Tributário Nacional, de forma específica. 

Art. 5°, II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal  e aos Municípios:    

I – exigir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça;

 

Estas citações, em partes distintas da Constituição, têm levado a um esforço doutrinário, especialmente dos que defendem o princípio da tipicidade fechada, em distinguir entre legalidade para regular e legalidade para tributar, procurando daí tirar conclusões sobre qual o tipo de legalidade, que deverá reger o direito tributário, optando pela tipicidade fechada. 

Concomitantemente a este esforço doutrinário verifica-se desde logo que a doutrina não tem conseguido apresentar de forma clara e consistente os motivos que a levam a concluir que a legalidade a tributar, prevista no artigo 150, I da C.F., deverá ser do tipo “tipicidade fechada”,  fazendo apenas da distinção o ponto alto de suas conclusões. Apóiam-se quase sempre no princípio da segurança jurídica para justificá-la. 

Outros, por sua vez, simplesmente advogam o princípio da tipicidade fechada, com base no que dispõe o inciso I do artigo 150° da Constituição Federal, e ponto final, sem ponderá-lo com os outros princípios constitucionais. E ainda há aqueles que justificam a tipicidade fechada no direito tributário com amparo no princípio da segurança jurídica. 

Mas o que se espera dessas correntes é que justifiquem e apresentem os motivos que fazem do princípio da legalidade, previsto no inciso I do artigo 150°,uma tipicidade fechada. 

O que se coloca é a velha e antiga questão do porque. Porque a tipicidade fechada, que se baseia no princípio da legalidade, que está posto em duas normas do texto constitucional, se aplicaria “apenas” ao direito tributário e ao penal? Porque não se aplica a tipicidade fechada para outros ramos do direito, se o princípio da legalidade está amplamente previsto no inciso II do artigo 5° da C.F., sem “privilégios”? Em resumo por qual motivo o princípio da legalidade chega ao extremo da tipicidade fechada para o direito tributário? 

A questão é: se o princípio da legalidade está posto genericamente para todo o direito, conforme inciso II do art. 5° da C.F. porque a tipicidade fechada funcionaria, sobretudo e preferencialmente para o direito tributário? 

Em todo caso, também parece sem a importância da distinção entre os dois tipos ou conceitos de legalidade, pois a função do direito é de realmente regular e esta função também se encontra presente no direito tributário. 

Não existe razão para que o princípio da legalidade previsto no inciso I do artigo 150° da C.F. não seja visto como um fortalecimento do mesmo princípio posto no inciso II do artigo 5° e um ao outro, obedecendo a mesma linha e sentido de interpretação, como acontece com outros princípios constitucionais que aparecem em diversos pontos do texto constitucional, não para diferenciá-los, mas para reafirmá-los, solidificando o texto, a exemplo do que ocorre com o princípio da irretroatividade, consagrado de forma geral, em lei penal e em lei tributária, nos artigos 5° (XXXVI), 5° (XXXIX, XL) e 150° (III,a), respectivamente.  

Feitas estas ressalvas o que se constata é que o princípio da legalidade posto pela Constituição Federal é um princípio que se aplica a todos os ramos do direito, existindo em diversos níveis, cabendo a jurisprudência calibrá-los de acordo com as necessidades e os novos paradigmas constitucionais. A tipicidade fechada seria um extremo do princípio da legalidade. 

Se no passado prevaleceu o princípio da legalidade em sua expressão mais extrema para regular o direito tributário, no mais das vezes ancorado no princípio segurança jurídica, isto não significa que estas interpretações esclerosadas continuem a prevalecer, mormente após os novos paradigmas constitucionais da Constituição Federal de 1988. 

O direito é dinâmico e como tal não deverá ficar esclerosado em interpretações que não atendem à sua dinâmica, as exigências e aos novos anseios sociais. 

Nas brilhantes palavras de Baleeiro (Derzi, 2008, p. 676): 

Como já observamos nos comentários ao artigo 100, a contínua mutação do Direito, eternamente descoberto e revelado, pode se realizar, portanto:

por meio dos atos legislativos , que alteram as fórmulas e signos lingüísticos, produzindo nova lei para regular diretamente a mesma matéria; ou que criam novo contexto normativo modificador do sentido ou da validade da lei antiga;

por meio de atos administrativos e judiciais, que sem produzirem novo enunciado legislativo, atribuem à lei antiga sentido diverso, inovando o seu objeto, a norma que ela significa. Assim, sem que o Poder Legislativo tenha editado lei nova, norma nova pode aflorar da lei. 

          Ainda na p. 654: 

O que a Constituição garante, por meio da irretroatividade, é a penidade    do  Direito  presso em lei e, em certo momento, revelado no ato administrativo ou  jujudicial. A  irroatividade é, assim, do Direito e alcança, portanto, a irretroatividade da inteligência da lei aplicada a certo caso concreto, que se cristalizou por meio da coisa julgada. 

        Questionamos, pois, se o princípio da legalidade implica necessariamente na tipicidade fechada do direito tributário e se posto exclusivamente para atender a este ramo do direito, sobrepujando até mesmo outros como o direito penal ou administrativo.  

De acordo com Abraham (2007, p. 313), citando Alberto Xavier: 

Defendendo seu posicionamento, afirma que o princípio da tipicidade ou da reserva absoluta da lei tem, como corolários, o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada e que tais corolários seriam rigorosamente idênticos aos formulados pela doutrina no que concerne ao Direito Penal. 

          Ora, este posicionamento leva à interpretação estrita da lei, inviabilizando a sua interpretação sistêmica e finalística, como veremos, já há bastante tempo firmadas pela nossa doutrina e jurisprudência e admitidas pela hermenêutica. 

Ao mesmo tempo ela é incoerente com a corrente que procura fazer distinção entre o princípio da legalidade posto no inciso II do art. 5° e no inciso I do art. 150°, ambos da Constituição Federal. 

Conforme advoga Abraham (2007, p. 315): 

Cabe relembrar, todavia, que no sistema constitucional tributário brasileiro, não há menção expressa sobre o Princípio da Tipicidade, sendo este considerado um mero desdobramento ou expressão do Princípio da Legalidade (arts. 5°, II e 150, I, CF; arts 97 e 100, CTN), vinculando o legislador na sua atividade legiferante a criar mandamentos legais suficientemente claros e completos para que não haja liberdade ao operador do direito em aplicar critérios subjetivos, discricionários ou arbitrários na sua tarefa. 

        De qualquer forma, voltaremos a esta questão quando tratarmos dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, pois os princípios da legalidade, que não reina absoluto, da segurança jurídica e da liberdade negocial terão que ser contrapostos aos outros princípios constitucionais como o da solidariedade, da função social da propriedade, da capacidade contributiva, do Estado Democrático de Direito, etc. 

É questão aceita tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina que os princípios constitucionais não guardam relação de hierarquia absoluta, mas estão em níveis de igualdade, devendo prevalecer um ou outro na análise dos casos concretos, sendo as antinomias sanadas o mais das vezes pela ponderação. 

Nas palavras de Torres (2006, p. 42): 

Mas as antinomias de princípios nem sempre exigem a correção, posto que às vezes a contradição é aparente, sendo sanada com a ponderação. A teoria da interpretação vem demonstrando, nas últimas décadas que a aplicação dos princípios constitucionais aos casos concretos deve ser precedida da sua ponderação diante dos interesses de difícil superação no ordenamento democrático.

 

          E também nas de Bogo (2006, p.93/4); 

Como os princípios constituem mandados de otimização, admitindo, assim, aplicação parcial, nenhum deles precisa ser declarado inválido ou nulo. As circunstâncias em determinado caso concreto é que determinam qual princípio deverá prevalecer sobre o outro.

Nesse passo, importa repisar que não existem princípios absolutos.

É no exame concreto, mediante o instrumento da ponderação, que se poderá verificar a precedência e prevalência de um princípio sobre o outro.    

Aqueles que advogam o princípio da legalidade ou tipicidade fechada como basilar, que rege o direito tributário brasileiro, se apegam primeiramente à norma do artigo 150°, I da C.F. para fundamentar os seus pontos de vista. 

É de se ver que a norma contida no mencionado artigo é bastante vaga, obscura para que se possa extrair daí conclusões tão taxativas e absolutas, que possam nortear todo o sistema tributário brasileiro. O mencionado artigo não apregoa de modo claro o princípio da tipicidade fechada como princípio basilar.   

Vemos, por outro lado, em sentido paralelo, que o princípio da capacidade contributiva, previsto no art. 145, §1°, que, de alguma forma, serve de justificativa e de fundamento para a  interpretação econômica, que se tentou fazer prevalecer durante uma certa época, padece de consenso quanto ao seu lugar e importância. Também, não tem uma primazia absoluta sobre os demais princípios. 

Alfredo Augusto Becker, apud, Abraham (2007, p. 49) sintetiza o princípio: “A capacidade contributiva é o princípio de cada indivíduo contribuir para as despesas da coletividade, em razão da sua força econômica. Significa apenas: possibilidade de suportar o ônus tributário”. 

E mais adiante na mesma página: “Mas este não é o único sentido de tal princípio. A essência da Justiça fiscal é o seu traço mais forte e característico. Busca-se, com ele, garantir o ideal e o justo na tributação”. 

E nas palavras de Torres (2006, p. 167): 

O próprio princípio da capacidade contributiva, pedra angular das controvérsias metodológicas em torno da interpretação do direito tributário, ganha coloração diferente na visão do pluralismo. Não é um dado extrajurídico, como queriam o positivismo formalista e os adeptos da interpretação lógico-sistemática, nem resulta de raciocínio causalista e mercanicista, como desejavam os defensores da interpretação econômica, senão que aparece na mesma equação axiológica com os princípios da liberdade, máxime com o mínimo existencial, que lhe serve de baliza no patamar inferior, e com a proibição de confisco, que a limita no espaço superior. [...] A solidariedade entre os cidadãos deve fazer com que a carga tributária recais sobre os mais ricos, aliviando-se a incidência sobre os mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo do nível de sobrevivência; 

          Ainda, o mesmo autor (p. 376): 

O equilíbrio entre a justiça e a segurança, que é “dramático”, constitui o desafio maior para o intérprete: buscar a justiça com segurança e garantir a ordem jurídica com justiça. O mesmo desafio se projeta no campo dos princípios gerais, cabendo ao intérprete harmonizar os princípios vinculados à justiça (capacidade contributiva e custo/benefício), com os decorrentes da idéia de segurança (legalidades, tipicidade, anualidade, etc).   

         E também na p. 152, da mesma obra: 

A preocupação exacerbada com a justiça fiscal e a capacidade contributiva, em métodos mecanicistas e causalistas, com finalidades arrecadatórias, perdeu terreno para o equilíbrio dos valores jurídicos e dos princípios constitucionais vinculados às idéias de justiça, segurança e utilidade.  

Em sentido paralelo, pode-se extrair da norma do artigo 109 do C.T.N. a preponderância e a exclusividade da interpretação econômica, fazendo com que esta prevaleça nas relações tributárias, embora as interpretações mais recentes dêem um peso diferente a essa questão. Se  quisermos que as normas antielisivas tenham validade no sistema tributário brasileiro temos que procurar em outros institutos jurídicos os fundamentos de sua validade, mormente nos princípios constitucionais, que regulam e regem todo o arcabouço jurídico. 

Não é sem motivo que tal artigo tem servido de polêmica e muitas vezes cedido às argumentações de correntes opostas. 

Baleeiro (Derzi, 2008, p. 685) comenta esta divergência: 

É um erro supor que o artigo 109 consagra a interpretação econômica (tomada no sentido de abandono das formas jurídicas). O artigo 109 autoriza o legislador tributário a atribuir a um instituto de Direito Privado – dentro dos limites constitucionais existentes – efeitos tributários peculiares.

O princípio da legalidade é assim cogente. A segurança jurídica, a certeza e a confiança norteiam a interpretação. 

Conforme Torres (2006, p.149): 

O artigo 109 do CTN padece de fraqueza de haver aderido a uma posição teórica hoje em refluxo. Já não se defende a exclusividade da consideração econômica ou a preponderância do método finalístico, substituídos que foram pelo pluralismo metodológico. Era posição ancorada no positivismo sociológico e economicista, insustentável no ambiente atual do pós-positivismo. 

           E também na p. 313, da obra citada: 

Quando, por outro lado, o item I do art. 118 diz que a interpretação do fato gerador deve abstrair dos efeitos dos atos efetivamente praticados, repete a impropriedade e a ambigüidade que antes examinamos a propósito da interpretação econômica recomendada no art. 109. Se por efeitos dos atos se entendessem efeitos econômicos, o dispositivo seria antinômico, posto que visa justamente prestigiar a interpretação econômica.  

No que diz respeito à segurança jurídica, temos que convir que a introdução de novas concepções, métodos ou critérios de interpretação não geram por si só a insegurança jurídica e que esta tem que ser pensada não apenas em função dos interesses imediatos do contribuinte, ou de um pólo da relação, mas também em função da sociedade. Em suma, a segurança jurídica tem que ser vista em função dos interesses sociais mais expressivos. Não se cogita de segurança jurídica quando um pólo da relação usa de meios que não atendem aos objetivos sociais, que deverão ser alcançados pelas propostas do direito tributário. O que estaria mais em sintonia com uma concepção mais finalística do direito tributário. 

Este risco, de novos métodos de interpretação, inclusive de uma nova apreciação dos princípios constitucionais, não podem ser confundidos com o risco da segurança jurídica, propriamente dita, embora, aparentemente sejam idênticos. 

Mesmo que se leve em consideração a segurança jurídica, ela deverá ser contraposta aos outros princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da função social da propriedade, devendo neste caso ser ponderados pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 

Por outro lado, a mutação contínua do direito é a garantia de que não devem prevalecer valores enclausurados pelo simples fato de que prevaleceram no passado mais longínquo, mormente quando a Carta Magna de 1988, estabeleceu novos paradigmas no campo jurídico. 

A segurança jurídica em si não diz muita coisa por que no planejamento tributário existe a norma que regula a situação típica ou negócio jurídico e fugir dela ou contorná-la significa a assunção de um risco deliberado, que foi avaliado por quem procurou evitá-la. 

Conforme Bogo ( 2006, p. 293): 

O risco da incerteza, lembra Heleno Taveira Tôrres, existe mesmo em relação aos particulares, nas relações de direito privado. O que não se pode aceitar é que o sistema tributário fique refém dos mais hábeis na arte de enganar e “... ao legislador não pode ser vetado o direito de privilegiar outros direitos de mesma elevada repercussão, baseados nos valores da proteção jurídica ao patrimônio público e de defesa dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva”.   

          Embora haja risco da incerteza nas relações jurídicas, conforme ficou evidenciado em citação acima, a incerteza aqui, ou seja, no planejamento tributário, está relacionada ao risco que foi buscado deliberadamente pelo contribuinte, ou em outras palavras o risco da incerteza é função do risco procurado. 

          Se, de certa forma, a segurança jurídica é a finalidade da “legalidade”, desconsiderar atos ou negócios jurídicos do planejamento tributário não traz surpresa, porque é de inteira ciência do contribuinte o risco que do exercício da opção.  

          Em resumo, analisada sob a ótica do risco, a segurança jurídica em si não nos diz absolutamente nada e ainda deverá ser confrontada com os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia, do Estado Democrático de Direito, da função social da propriedade, da solidariedade, submetidos aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e à luz dos novos paradigmas da Constituição Federal. 

          Fere o princípio da capacidade contributiva (art. 145,§ 1° da CF)porque permite que um contribuinte que aufira rendimento semelhante a um outro possa se beneficiar, através dos mecanismos jurídicos utilizados, de uma redução do tributo, criando dessa forma uma tributação anacrônica, em que a tributação fica a mercê de subterfúgios. 

         Já é do conhecimento geral que tanto as normas quanto os princípios constitucionais devem ser analisados de forma sistêmica e finalística e que por isso eles não imperam de forma absoluta, mas sim relativamente em relação a outras normas e princípios e entre eles. 

Desse modo o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade não prevalece absolutamente sobre os demais princípios e devem ser avaliados em relação a estes. Mas o importante a destacar é que, por ser este princípio equivalente filosoficamente à ponderação, deverá ele também se fazer presente quando da sua aplicação opostas de outros princípios ou normas jurídicas. Dessa forma, podemos dizer, que ele é utilizado duas vezes, uma delas para solucionar conflitos de princípios contrapostos, porque na avaliação destes deverão também prevalecer, uma vez mais, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

 

3 OS PRINCÍPIOS DA PROPRCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

 

          Dividiremos este Título em três tópicos de forma a facilitar uma melhor abordagem dessa questão: doutrina, jurisprudência e outras considerações. 

 

3.1 Doutrina 

          A doutrina sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade tem sido vasta ultimamente, porque são princípios basilares a um Estado Democrático de Direito e amplamente admitidos pela jurisprudência. 

         Para começar mencionamos Cordeiro (2006, p.67), para quem o princípio da proporcionalidade pode ser entendido em razão da adequação, da necessidade e em sentido restrito: 

Adequação: “prevê a compatibilidade entre o fim e os meios por ela enunciados para a sua consecução. A adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois se não for apta para tanto, há de ser considerada inconstitucional”. 

Necessidade: “Torna-se obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”. 

Em sentido estrito: consiste em um “sistema de valoração no qual se busca analisar se o direito juridicamente protegido por dada norma apresenta conteúdo valorativo, superior ao restringido, ou seja, é utilizado para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção ao fim almejado”. 

Lúcia Valle Figueredo (Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 47), citada pelo autor, assim se pronuncia sobre o princípio constitucional da razoabilidade, 

Não se pode conceber a função administrativa, sem se inserir o princípio da razoabilidade. É por meio da razoabilidade das decisões tomadas que se poderá contrastar atos administrativos e verificar se estão dentro da moldura comportada pelo direito. 

           Sobre o mesmo princípio discorre Celso Bandeira de Mello (obra citada, p. 105): 

Pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstânciaspor quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição manejada.

           Prosseguindo: “é porque através dela visa-se à obtenção da medida ideal, ou seja, da medida que, em cada situação, atenda de modo perfeito à finalidade da lei”. 

           Ou, conforme Caio Tácito, apud Horvath (2002, p. 54): 

A rigor o princípio da razoabilidade filia-se à regra da observância da finalidade da lei, que a seu turno, emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe a harmonia perfeita entre os meios e os fins, a comunhão entre o objeto e o resultado do ato jurídico. A vontade do legislador, como da autoridade administrativa, deve buscar a melhor solução e a menos onerosa para os direitos e liberdades, que compõem a cidadania. 

Ou, ainda, conforme o requisito da NECESSIDADE: “Torna-se obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”. 

E segundo Mello (2007, p.107): “ Logo o plus , o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa um agravo inútil ao direito de cada final”.   

Observa-se que de acordo com tais princípios na própria Lei existe um modo mais adequado, menos oneroso, com menos riscos, menos trabalhoso e que são ilegítimas – invalidáveis - as condutas desarrazoadas, incoerentes, bizarras praticadas com desconsideração às situações e circunstânciaspor quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição manejada. Estas condutas devem ser evitadas e estas regras são plenamente aplicáveis ao sujeito passivo e não só ao legislador. Por ora, guardemos as palavras necessidade e menos gravoso. 

O mais adequado é o mais justo, o que não excede e, portanto, o mais proporcional e razoável. 

Citando mais uma vez Vargas (2004, p.97): “O princípio da proporcionalidade em sentido estrito por ter como objetivo a “justa medida”, é o que melhor se identifica com o princípio da vedação dos efeitos confiscatórios.” 

Há de se ver que os princípios constitucionais se mesclam, chamam uns aos outros para dar contorno ao sistema constitucional, não havendo limites fixos para defini-los. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são elásticos e determinam conceitos mais específicos.  

 

3.2 A jurisprudência 

         A prova mais eloqüente da importância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pode ser aferida pela acolhida que o Supremo Tribunal Federal tem dado em seus julgamentos, abrangendo os diversos ramos do Direito, desde o Penal ao Tributário, que à vista dos formalistas ou tradicionalistas se submetem ao princípio da legalidade fechada. 

          Transcrevo a Ementa do HC 89429/RO – RONDÔNIA, relatora Min. Cármen Lúcia: 

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou a reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra a si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Hábeas Corpus concedido. 

           E também a Ementa do HC 93250/MS – MATO GROSSO, tendo como relatora a Min. Ellen Grace: 

EMENTA. PROCESSO PENAL. PRISÃO CUATELAR. EXCESSO DE PRAZO. CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTA. VALORAÇÃO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE EM HABEAS CORPUS. 1. Caso a natureza da prisão dos pacientes fosse a de prisão preventiva, não haveria dúvida acerca do direito à liberdade em razão do reconhecimento do arbítrio da prisão – hipótese clara de relaxamento de prisão em flagrante. Contudo, não foi o que ocorreu. 2. A jurisprudência é pacífica na admissão de relaxamento da prisão em flagrante, simultaneamente, do decreto de prisão preventiva, situação que em tudo se assemelha à presente hipótese, motivo pelo qual improcede o argumento de que há ilegalidade da prisão dos pacientes. 3. Na denúncia houve expressa narração dos fatos relacionados à prática de latrocínio (CP, art. 157, 3°), duas ocultações de cadáveres (CP, art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identificador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores ( Lei n° 2.252/54, art. 1°). 4. Na via estreita de hábeas corpus não há fase de produção de prova, sendo defeso ao Supremo Tribunal Federal adentrar na valoração do material probante já realizado. A denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não havendo a incidência de qualquer uma das hipóteses do art. 43, do CPP. 5. Somente admite-se o trancamento da ação penal em razão de suposta inépcia da denúncia, em sede de hábeas corpus, quando houver clara constatação de ausência de justa causa ou falta de descrição da conduta, que em tese, configura crime. Não é a hipótese, eis que houve individualização das condutas dos pacientes, bem como dos demais denunciados. 6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de fundamentais previstos no art. 5°, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afiguram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de um determinado direito ou interesse, sobre outro de igual ou maior estatura jurídica. 7. Ordem denegada.   

         Ainda, sobre o RE 576189, julgado em 22/04/09, tendo como relator o Min. Ricardo Lewandowski: 

EMENTA. TRIBUTÁRIO. ENERGIA ELÉTRICA. ENCARGOS CRIADOS PELA LEI 10.438/02. NATUREZA JURÍDICA CORRESPONDENTE A PREÇO PÚBLICO OU TARIFA. INAPLICABILIDADE DO REGIME TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPULSIRIEDADE NA FRUIÇÃO DOS SERVIÇOS. RECEITA ORIGINÁRIA E PRIVADA DESTINADA A REMUNERAR CONCESSIONÁRIAS, PERMISSIONÁRIAS E AUTORIZADAS INTEGRANTES DO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL. REIMPROVIDO. I – Os encargos de capacidade emergencial e de aquisição de energia elétrica emergencial, instituídos pela Lei 10.438/02, não possuem natureza tributária. II – Encargos destituídos de compulsoriedade, razão pela qual correspondem a tarifas ou preços públicos. III – Verbas que constituem receita originária e privada, destinada a remunerar concessionárias, permissionárias e autorizadas pelos custos do serviço, incluindo sua manutenção, melhora e expansão, e medidas para prevenir momentos de escassez. IV – O art. 175, III, da CF autoriza a subordinação dos referidos encargos à política tarifária governamental. V – Inocorrência de afronta aos princípios da legalidade, da não-afetação, da moralidade, da isonomia, da proporcionalidade e da razoabilidade. VI – Recurso extraordinário conhecido, ao qual se nega provimento.  

           Em destaque a menção de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade “se afiguram importantes no contexto” e de que “não há direitos absolutos”, mesmo que fundamentais. Esta direção vai de encontro àqueles que advogam a prevalência dos princípios da legalidade (tipicidade fechada) e da segurança jurídica, sobre outros da mesma estatura.Se os direitos fundamentais não são absolutos, também, não os são os princípios constitucionais.

 

3.3 Outras considerações 

           Porquê são importantes os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade? Pelo simples fato de que são os princípios que norteiam e dão contorno aos demais princípios constitucionais, não sendo razoável que um princípio não seja razoável e nem proporcional. E, como teremos oportunidade de verificar, são os princípios que melhor expõem as incongruências do planejamento fiscal. 

            Em primeiro lugar são princípios que servem para dirimir conflitos entre outros princípios constitucionais. São uma ponte que permite ponderar princípios em contradição. 

Lecionando sobre os métodos de interpretação, Torres (2006, p.166) comenta sobre o princípio da ponderação, comumente associado por diversos autores aos da proporcionalidade e da razoabilidade, ou sendo um aspecto destes: 

O pluralismo metodológico, com a interação entre Direito Tributário e Civil e com as restrições à ilicitude da elisão, procura alcançar o equilíbrio entre os princípios constitucionais derivados assim da idéia de justiça que da idéia de segurança jurídica e o plno respeito aos direitos fundamentais.

Inexiste um método que possa ser imposto aprioristicamente. A escolha entre o critério sistemático ou teleológico depende da ponderação dos princípios jurídicos diante do bem a ser protegido em cada caso. 

             Ainda, Abraham (2007, p. 331)

          Com a superação do positivismo normativista pelo pós-positivismo, fundado na      reaproximação entre o direto e a ética, da aplicação dos princípios fundamentais como os da razoabilidade, da proporcionalidade e da ponderação, a permitir um controle da adequação da lei aos fatos concretos, esvazia-se a supremacia dos conceitos fechados , categorias jurídicas e princípios da estrita legalidade e tipicidade fechada como única fonte de segurança jurídica, para reformular as bases de interpretação do direito, fortalecendo a aplicação de outros princípios como a capacidade contributiva e a dignidade da pessoa humana, para a realização de valores como a solidariedade, da igualdade e da justiça social. 

Mas aqui, nos interessa um outro aspecto, qual seja a aplicação destes princípios como fundamento de outros princípios e normas constitucionais e legais. Sem razoabilidade e proporcionalidade não há legalidade e nem segurança jurídica. 

          Interessa-nos, sim, se os atos ou negócios jurídicos celebrados pelo contribuinte sob a proteção de certos princípios e normas constitucionais e legais estão também revestidos de razoabilidade e proporcionalidade. Tais princípios permeiam e revestem toda a estrutura jurídica constitucional, não sendo, portanto, descabido afirmar que estejam presentes na operacionalidade dos outros princípios constitucionais. 

           Essa abordagem foi percebida an passant por Abraham (2007, p. 332), sem uma análise mais exaustiva dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade: 

Entendemos que o mesmo raciocínio seria usado para evitar possível arbitrariedade do contribuinte em empregar meios artificiais para economizar impostos, já que a razoabilidade deve estar não apenas na forma de se interpretar a lei, mas também no padrão de conduta do contribuinte.

            Sendo mais incisivo (p. 345): “Patente no caso concreto que não há razoabilidade em se constituir uma empresa sem propósito negocial, com o único fito de elidir a tributação”.

             E também Torres (2006, p. 130), sobre o pluralismo metodológico: 

Parte da consideração de que o contribuinte tem ampla liberdade para planejar os seus negócios na busca do menor imposto, desde que se mantenha nos limites da possibilidade expressiva da lei, ou seja, que não cometa abuso de direito. Não pode ultrapassar os limites da razoabilidade, aproveitando-se da zona cinzenta e da indeterminação dos conceitos e ofendendo valores como os da justiça e da segurança jurídica e princípios como [...] 

          Em sentido paralelo ALEXY, Robert, apud, Torres (2006, p.53): 

Ao lado da ponderação de princípios como método de superação de antinomias pode-se falar em um princípio da ponderação, que atua na legitimação do ordenamento jurídico, na criação do direito e na interpretação. 

          É importante frisar que estamos a tratar de princípios constitucionais e que, por isso, não têm relevância neste momento as discussões sobre se as normas do direito civil são aplicáveis ou não ao direito tributário. Também é de relevância “secundária” se o art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n° 4.657/42) é aplicável ao direito tributário. 

Art. 5. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 

Mais importante do que repetir a lei é saber se o momento histórico, de acordo com as orientações dos princípios e normas constitucionais, permite uma interpretação mais aberta e não fechada, isto porque esta lei foi publicada em 1942 e somente agora se levanta a possibilidade efetiva de uma interpretação mais pluralista dos seus dispositivos legais. Trata-se de um viés cultural, ou seja, as interpretações jurídicas sofrendo a influência da cultura e porque não dizer da ideologia prevalecente.   

          As normas do direito civil tanto quanto as do direito tributário devem se submeter ao crivo das normas e dos princípios constitucionais, por questões hierárquicas. 

          Abordando o assunto, Torres (2006, p.177) comenta: “Integram-se, a interpretação da Constituição e a das leis ordinárias à consideração de que estas têm a sua compreensão subordinada aos princípios inscritos naquela”. 

          No entanto, não nos deixa de causar estranheza o fato de autores tradicionalistas (formalistas), que advogam o primado das formas do direito civil sobre o tributário, rejeitarem os institutos daquele direito que permitem questionar o planejamento tributário, como é o caso do abuso de direito, previsto no artigo 187 do Código Civil de 2002. 

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 

Da mesma forma nos parece estranho que estes autores em seus livros textos admitam o método teleológico (finalístico) e sistemático na interpretação do direito tributário e recusem à sua aplicação na análise do planejamento tributário. 

Carvalho (2009, p. 310) comentando sobre a norma geral antielisiva, prevista na LC 104/01, adverte: “Há que se cuidar, todavia, para não estender demasiadamente a aplicação do novo preceito, chegando a ponto de julgar dissimulado o negócio jurídico realizado em decorrência de planejamento fiscal”. 

No mesmo sentido Machado ( 2009, p. 132): 

Dir-se-á que a norma geral antielisão constitui simplesmente uma diretriz hermenêutica. Apenas aponta um caminho para o intérprete, que deve dar maior importância à realidade econômica do que à forma jurídica. Essa norma simplesmente deixaria expressamente autorizada a denominada interpretação econômica, que já foi objeto de profundas divergências na doutrina dos tributaristas, no Brasil como em outros países.

Trocar o critério jurídico da definição legal das hipóteses de incidência tributária, pelo critério econômico da identificação da capacidade contributiva, seria inaceitável troca de segurança, propiciada pelo princípio da legalidade, pela insegurança que abre as portas para o arbítrio. 

          Em que pese os equívocos do autor quanto à questão da legalidade e da interpretação puramente econômica é de se ver que o mesmo não aceita a aplicação do método sistemático juntamente com o finalístico para o planejamento tributário. 

          Os tradicionalistas não admitem a interpretação sistemática e finalística do direito, muito embora elas se encontrem mencionadas em muitas de suas obras, porque se baseiam na tipicidade fechada e na prevalência das formas do direito civil sobre o tributário com base no artigo 109 e 110 do C.T.N. 

         Ou melhor, admitem a interpretação sistemática somente para afirmar a primazia do direito civil sobre o tributário e conseqüentemente justificar a licitude do planejamento fiscal, sem, contudo, tirar do próprio método outras conseqüências cabíveis, já mencionadas por tantos autores. 

          Segundo Torres (2006, 142): 

A interpretação lógico-sistemática do Direito Tributário, além da incongruência de se aplicar apenas aos conceitos tributários constitucionalizados, está em franco declínio na consideração da doutrina jurídica, por excluir a interpretação teleológica. E juntamente com ela, os seus corolários inevitáveis: o primado do direito privado [...] a licitude da elisão e a exclusividade da legislação como fonte do Direito Tributário. 

          E mais adiante (p. 153): “A interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo metodológico. Inexiste a prevalência de um único método”.

Mas, estamos realçando, mais uma vez, o fato de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade levam, indubitavelmente, a adoção dos métodos de interpretação sistêmica e finalística. 

          Nesse sentido Abraham (2007, p.319): “O princípio da proporcionalidade permitirá um controle finalístico da aplicação da lei tributária pela Administração, ciente ela de que sua conduta, assim vinculada, estará sujeita a reexame judicial.

 

O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 

          Em que consiste o planejamento tributário? Genericamente, ou em sentido lato, consiste na prática de atos ou negócios jurídicos, não vedados em lei, com o objetivo exclusivo ou não de economizar impostos. 

          Neste sentido a simples escolha entre o lucro presumido e o lucro real pela pessoa jurídica ou a instalação de uma empresa em determinada região, para gozar dos incentivos fiscais e para atender as diretrizes do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, compatibilizando “os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”, conforme disposto no § 1°, do art. 174 da CF, configurariam planejamento tributário. 

          Conforme os Incisos VII e IX, do art. 170 do CF: 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurara a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

           :

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

:

IX - Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham a sua sede e administração no país; 

Mas, acredito que outras três situações abrangem uma gama substancial de casos em que o planejamento tributário é seriamente questionado. São eles: 

          - a prática de um ato ou negócio jurídico em que o objetivo exclusivo é a economia de impostos, fugindo da finalidade para a qual a norma foi posta; 

- a prática de atos ou negócios jurídicos benéficos para a empresa, de acordo com os seus objetivos sóciais, mas que não seriam efetuados se não houvesse uma economia de impostos; 

- a prática de atos ou negócios que seriam úteis e realizados de qualquer forma pela empresa, com resultados práticos idênticos a outros atos ou negócios, mas que são revestidos de formas jurídicas complexas, com o auxílio de outros ramos do direito, com o fito de economizar impostos. Situação em que o contribuinte cria, artificialmente, novos fatos, através de operações ou formas complexas, com o objetivo de se eximir ou reduzir o imposto. 

Esclarecendo e aprofundando um pouco mais a primeira situação, poderíamos dizer que se trata da realização de atos ou negócios jurídicos, não necessários e úteis às atividades ou ao objetivo social da empresa, com a utilização de uma norma tributária, legalmente admitida, com o objetivo exclusivo de economizar imposto e para um fim diverso do que foi previsto ou presumidamente previsto pela norma. 

A idéia de necessidade ou utilidade é bem conhecida na legislação do imposto de renda que no seu artigo 299 e parágrafos, do Decreto 3.000/99, prevê: 

Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei n° 4.506/64, art. 47). 

§ 1°. São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa. 

§ 2°. As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.  

A primeira conclusão que se tira é que a efetivação de atos ou negócios que visem exclusivamente evitar ou reduzir à tributação, contrariando a sua finalidade, ferem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade porque seria ilógico, insensato, desarrazoado e desproporcional supor que a norma jurídica tributária foi posta para que dela se possa fazer uso com a finalidade específica de economizar impostos. 

Incoerentemente, neste caso, a pessoa jurídica para a efetivação do ato ou negócio jurídico poderá incorrer em gastos adicionais, e geralmente incorre, mas a opção pela economia de impostos prevalece. 

Pela mesma razão e por uma conclusão lógica estaria viciada a opção do contribuinte em realizar o negócio que mais lhe conviesse, ou como se costuma dizer a sua liberdade de contratar. 

A liberdade de negociação estaria limitada tanto pelo princípio função social da propriedade quanto pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade pelo fato de que a norma tributária não pode servir de suporte a um ato ou negócio jurídico que vise exclusivamente à economia de impostos, em contramão à sua finalidade. 

Importante ressaltar que estas questões abrem espaço para a interpretação finalística e sistemática no direito tributário, conforme já mencionamos. 

Nesse sentido Abraham (2007, p.331): “Possui importante função, neste momento, o uso da razoabilidade e da ponderação no processo de aplicação das normas em caso de elisão fiscal”. 

O artigo 219 do RIR/99 estabelece: 

A base de cálculo do imposto, determinada segundo a lei vigente na data de ocorrência do fato gerador, é o lucro real (Subtítulo III), presumido (Subtítulo IV) ou arbitrado (Subtítulo V), correspondente ao período de apuração (Lei n° 5.172/66, arts. 44, 104 e 144, Lei n° 8.981/95, art. 26 e Lei n° 9.430/96, art. 1°). 

De se ver, portanto, que o imposto de renda incide sobre o lucro da pessoa jurídica, lucro este que faz parte de seu objeto social, ou seja, explorar lucrativamente um ramo de atividade. 

Em outras palavras o imposto de renda das pessoas jurídicas apresenta-se como o resultado ou como conseqüência de um lucro apurado no período base de incidência. 

Ora, se ele é conseqüência de um fato e este está embutido no objeto social da pessoa jurídica, que é explorar lucrativamente um ramo de atividade, o ato ou negócio jurídico praticado com o intuito de apenas economizar imposto, foge mais uma vez a racionalidade e a razoabilidade. O que é conseqüência da operação da empresa torna-se um objetivo exclusivo, invertendo-se a ordem dos fatores, fazendo coincidir objetivo com a conseqüência dos objetivos da pessoa jurídica.

 Se a economia de impostos não pode ser um dos meios para contribuir e atingir o fim social almejado, um ato ou negócio jurídico que se converta em lucro ou em sua possibilidade futura, ela passa a ser um fim em si mesma, revertendo o objeto social da empresa e a função social da propriedade. Portanto, mais uma vez, este procedimento é rejeitado quando se leva em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem a devida adequação entre meios e fins. 

As pessoas jurídicas e equiparadas, contribuintes de imposto de renda, não existem para economizar impostos, mas, sim, para firmar atos e negócios jurídicos com expectativas de lucratividade, atendendo a função social da propriedade, e, em conseqüência, contribuir para com o imposto de renda.  

Por si só a economia de impostos não pode se converter em uma finalidade. Não é razoável nem proporcional. Não existe adequação entre os fins (objeto social) e os meios. 

Também, a meta exclusiva de economizar imposto de renda não é necessária e nem imprescindível, pois é um indício suficiente de que a pessoa jurídica apresentou lucratividade e se tornou, portanto, um contribuinte em potencial do referido imposto, devendo contribuir com base no princípio da capacidade contributiva e da solidariedade. 

O que é necessário é o ato ou negócio jurídico que dê lucratividade ou tenha expectativa dela, ou seja, o ato ou negócio jurídico revestido de propósito negocial. Enfim, o propósito negocial é que dá substância ao ato ou negócio jurídico. 

Se não apresentou lucratividade suficiente e é contribuinte do imposto com base no lucro presumido é possível optar pelo lucro real. Portanto, parte-se da hipótese de que o lucro real (fiscal) apresenta correspondência com o resultado do exercício, que, reconhecemos, nem sempre é verdadeira, mas útil para o nosso raciocínio, porque o lucro real tem por fundamento o resultado do exercício. 

Os atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, mesmo que admitidos em lei, devem vir permeados, revestidos, por razoabilidade e proporcionalidade, para serem legítimos. Legais são aqueles que não trazem em si situações desarrazoadas e desproporcionais, que ferem o espírito da lei. 

Como se pode revestir de legalidade um ato ou negócio jurídico, fundado em norma jurídica, mas desprovido de razoabilidade e proporcionalidade em relação a esta norma? Evidente, que tais atos ou negócios poderão ser questionados em sua legalidade. 

Da mesma forma se uma norma jurídica pode ser utilizada para a prática de atos e negócios jurídicos desarrazoados e desproporcionais, segundo os paradigmas constitucionais, ela não traz segurança jurídica para a sociedade. 

O princípio da segurança jurídica não cumpre a sua função se em seu bojo a norma jurídica permite ao contribuinte, ao utilizá-la, escapar ou contornar a sua finalidade.   

Um exemplo característico desse procedimento era a incorporação de uma pessoa jurídica, com enorme prejuízo, por outra que desejava adquirir o direito à respectiva compensação do prejuízo fiscal, a que tinha direito a primeira, com base no artigo 64, § 5, que dispunha: 

Art. 64, § 5°. A sociedade resultante de fusão e a que incorporar outra sucedem as sociedades extintas no seu direito a compensar prejuízos no prazo previsto neste artigo. 

Esta prática de planejamento fiscal levou a uma nova disciplina da situação consubstanciada no art. 33 do Decreto-Lei n° 2.341/87, abaixo transcrito: 

Art. 33. A pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida. 

No entanto, pode-se observar que esta norma poderia até mesmo ser evitada se analisássemos a situação sob a ótica dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.   

Podemos perceber que estes argumentos incluem os conceitos de abuso do direito e falta de propósito negocial, este último de tradição norte americana, conforme menciona Abraham (2007, p. 264): 

Nos estados Unidos, pautando-se, hoje, especialmente pelas regras previstas no Internal Revenue Code, desenvolveu-se originariamente a doutrina do “propósito mercantil” (business purpose test) ...... que visavam combater a realização de negócios e atividades sem propósito mercantil, com o exclusivo fim de obter benefícios fiscais. 

          Abraham (2007, p. 344), cita uma hipótese exemplificativa quando uma empresa procura reduzir sua carga tributária como imposto de renda. Repetimos: 

Verificando que seu faturamento anual é superior ao limite estabelecido por lei para se submeter à tributação do imposto de renda pelo regime de lucro presumido (que lhe seria fiscalmente mais vantajoso do que o atual regime de lucro real), decide realizar uma reestruturação societária e criar três novas empresas, que funcionarão no mesmo local da holding, terão o mesmo objeto social e não possuirão funcionários, estoques e nem atividades operacionais reais. Assim, com a divisão do faturamento entre as novas empresas, cada uma delas poderá se enquadrar no regime de lucro presumido, reduzindo a carga fiscal total do imposto de renda.  

Também, no passado não tão recente, empresas realizavam juridicamente cisões, de maneira apenas formal ou, como sem diz, no papel, permanecendo as suas operações e os seus ativos operacionais (sede, maquinário, etc) na mesma situação de antes, com a finalidade exclusiva de postergar imposto de renda.  Com a operação conseguiam postergar parte substancial do imposto de renda que seria apurado na cindida, por um período de 13 meses ou mais.   

Verifica-se que não há adequação entre a situação jurídica criada, artificialmente, e a realidade e, por isso, não existe razoabilidade e proporcionalidade. Procura-se tornar a situação aparente como real. O direito criou artificialmente um fato que não é real, que não existe no mundo fenomênico. 

O segundo caso, embora seja mais difícil identificá-lo, comumente resvala para o terceiro caso porque neste também o contribuinte usa operações complexas, mas com a ressalva de que prevalece, prepondera, o interesse em economizar impostos e, portanto, o ato ou negócio jurídico não seria realizado sem que esta ocorresse. Entretanto, para efeitos puramente didáticos é importante realçá-la. 

O terceiro caso, conforme já foi dito anteriormente, trata da prática de atos ou negócios que seriam úteis e realizados de qualquer forma pela empresa, com resultados práticos idênticos a outros atos ou negócios, mas que são revestidos de formas jurídicas complexas, com o auxílio de outros ramos do direito, com o fito de economizar impostos. Situação em que o contribuinte cria, artificialmente, novos fatos, através de operações ou formas complexas, com o objetivo de se eximir ou reduzir o imposto. 

Neste caso, sendo os atos ou negócios jurídicos revestidos de formas jurídicas complexas, com o auxílio, geralmente, de outros ramos do direito, pode ser analisado sob duas óticas: do abuso do direito e do abuso das formas. 

Abuso do direito porque geralmente o contribuinte faz uso de formas desprovidas de suas finalidades, objetivos, fora do contexto para as quais foram criadas. 

Abuso das formas porque ele se utiliza também de formas e institutos jurídicos de maior complexidade, em regra, seqüenciais, do que seria o uso de uma forma mais direta com os mesmos efeitos práticos e resultados econômicos.  

Citemos mais uma vez Mello (2007, p. 105) cuja exposição é auto-explicável: 

Pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstânciaspor quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição manejada. 

E adiante: “é porque através dela visa-se à obtenção da medida ideal, ou seja, da medida que, em cada situação, atenda de modo perfeito à finalidade da lei”. 

Ou ainda, o mesmo autor (p.107): “Logo o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa um agravo inútil ao direito de cada final”. 

E o que dizer da necessidade dessas formas complexas? A propósito desta, reproduzimos Cordeiro (2006, p. 67): “Torna-se obrigatória a verificação da necessidade da admissão da medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”.  

Comentando sobre o assunto Caio Tácito, apud Horvath (2002, p.54), com a ressalva de que analisa a questão sob o ponto de vista da produção legislativa, mas que está em harmonia com os nossos propósitos: 

A rigor o princípio da razoabilidade filia-se à regra da observância da finalidade da lei, que a seu turno, emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe a harmonia perfeita entre os meios e os fins, a comunhão entre o objeto e o resultado do ato jurídico. A vontade do legislador, como da autoridade administrativa, deve buscar a melhor solução e a menos onerosa para os direitos e liberdades, quecompõem a cidadania. 

           Fomos buscar no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009) os significados das palavras oneroso, penoso, inoportuno e adequado: 

Oneroso: que impõe, envolve ou está sujeito a ônus, encargo, obrigação. 2. que adiciona despesas, gastos, dispendioso. 3. que é pesado, sufoca, oprime, molesto, incômodo. 4. (jur) que produz reciprocidade de vantagens e obrigações para as partes envolvidas. 5. pesado, pesado ao estômago, indigesto, penoso, incômodo, inoportuno. 6. caro, custos, gravoso, incômodo, molesto, opressor, pesado, trabalhoso, vexatório. 

Penoso: 1. que provoca pena ou sofrimento. 2. que causa desconforto (cirurgia). 3. que exige esforço e trabalho, difícil, complicado. 

Inoportuno: 1. que não é oportuno, que sobrevém em mau momento, uma ocasião imprópria, inconveniente, intempestivo. 2. que ou aquele que intervém de forma despropositada, deslocada, intempestiva. 

Adequado: que se adequa. 1. que está em perfeita conformidade com algo, adaptado, ajustado. 2. apropriado ou conveniente.  

           Pode-se concluir, então, que o menos gravoso e oneroso é o que não excede, o menos trabalhoso, o menos complicado, o mais oportuno, o menos penoso, o mais direto e objetivo, a medida ideal, o mais adequado e o mais justo e, portanto, o que se adequa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 

           Seguindo nossa linha de raciocínio, não vamos entrar no mérito se o Inciso VI, do art. 166 do Código Civil, que trata de fraude à lei imperativa, se aplica ao Direito Tributário, segundo o princípio da unidade do direito. 

           Embora, Abraham (2007, p. 217) faça a distinção entre fraude à lei e abuso do direito, preferimos compartilhar da opinião de Bogo (2006, p. 297), para quem o último é gênero. 

           Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: 

           VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa: 

Relevante, desde já, também distinguir fraude à lei do abuso do direito, institutos que a prima facie podem demonstrar-se semelhantes, mas não o são. No abuso do direito há um excesso do uso regular da norma, o que não ocorre na fraude à lei, pois, neste caso, o abuso não é perpetrado sob a norma primária, mas, sim, através de uma norma secundária, utilizada como norma de cobertura ou de contorno (Abraham).

 

Evidente que o abuso do direito, pelas suas próprias características, pode encampar a alegação de fraude à lei, figura diversa mas que constitui espécie da qual o primeiro é gênero (Bogo).

 

 

 5. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN

 

         A Lei Complementar 104, de 10.01.2001 estabeleceu o § Único ao artigo 116 do CTN, nestes termos: 

Parágrafo único: A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. 

          Por sua vez, a Lei n° 10.637/02 não convalidou os artigos 13 a 19 da Medida Provisória 66/2002 que dispunham sobre os procedimentos que regulamentavam a fiscalização, conforme dispõe a parte final do parágrafo único. 

          Como era de se esperar muitas vozes se levantaram tanto contra quanto a favor da norma geral antielisão. 

         Os mais tradicionalistas engrossaram as fileiras e passaram a contestar a constitucionalidade do referido parágrafo alegando os mesmos argumentos quais sejam o princípio da legalidade (tipicidade fechada) e da segurança jurídica, conforme se pode verificar dos comentários de Ives Gandra Martins, à Ação Dieta de Inconstitucionalidade 2446, apud Abraham (2007, p. 433): 

Por todos os aspectos aqui expostos, entendo que a ADIn 2.446, proposta pela CNC, merece ser acolhida, com declaração de inconstitucionalidade do art. 1° da LC 104/01, pois sobreferir a segurança jurídica (art. 5°, caput da CF); violar a seção “Das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, estreitando de forma inadmissível o seu espectro; implodir os princípios da reserva formal da tributária, tipicidade fechada e estrita legalidade, substituindo-os pelo princípio do palpite fiscal; fazer com que no ascender das luzes da hipertrofia do poder decisório da Receita Federal, dê-se o curto-circuito definitivo nos princípios democráticos e da cidadania – todo o dispositivo (se constitucional fosse, que não é)  depende de disciplina a ser instituída por lei ordinária, não produzida, ainda, pela Casa das Leis, sendo, portanto, de eficácia inexistente. Entendo, pois, como parcela considerável da doutrina pátria, que tal norma está maculada do vício maior e insanável, dada a sua manifesta inconstitucionalidade. 

Ou, como salienta Bogo ( 2006, p. 239): 

Para outros doutrinadores, a inserção de uma cláusula geral antielisão, na forma como proposta ou defendida pelos juristas antes citados, viola a Constituição Federal, ofendendo os princípios constitucionais como o da legalidade, da tipicidade tributária e da segurança jurídica. 

          No campo oposto estão os partidários de uma nova concepção e interpretação do direito tributário, assim resumidos na linguagem de Bogo (2006, p. 234): 

Para alguns doutrinadores, a disciplina prevista no novo parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional não padece de qualquer vício, encontrando na própria Constituição Federal, notadamente nos princípios da capacidade contributiva e da isonomia perante a tributação, inexistindo violação a qualquer garantia ou direito do contribuinte. Trata-se de específica norma antielisão, não abrangendo os casos de simulação, que continuam submetidos à disciplina do art. 149, VII, do Código Tributário Nacional.  

Em cada campo aparecem divergências quanto à prevalência de uma ou outra forma de abordar a questão da norma antielisão, mas o que nos interessa aqui são as posições contrárias ou a favor da constitucionalidade da norma antielisão e os princípios constitucionais em que se baseiam. Como se não bastassem às discussões entre as correntes opostas, elas persistem na escola não tradicional. 

Bogo ( 2006, p. 241) menciona uma terceira corrente, sem grandes conseqüências práticas, formada pelos tributaristas José Eduardo Soares, Misabel Abreu Machado Derzi, Ricardo Mariz de Oliveira, Sacha Calmon Navarro Coelho e Célio Armando Janczesk: 

Finalmente, uma terceira corrente, embora na sua maioria não admita uma cláusula geral antielisão no ordenamento jurídico brasileiro, não vê qualquer pecha de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, pois vislumbra nesse dispositivo apenas mais uma cláusula anti-simulação, ou seja, antievasão, e que complementa a disciplina existente sobre a matéria no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional. 

           Aproveita para citar na mesma página José Eduardo Soares de Melo:   

Em conclusão, o parágrafo único do art. 116 do CTN (LC 104) deve ter restrita eficácia  aos casos em que se constatam vícios nos atos ou negócios jurídicos praticados (fraude, dolo, simulação), existindo descoincidência entre os elementos aparentes do fato gerador (documentos, notas fiscais) e aqueles que tenha sido efetivamente realizado. (Planejamento tributário e a Lei Complementar 104, p.175). 

           Ou ainda, Paulo de Barros Carvalho, apud, Paulsen (2009, p.919): 

O ordenamento brasileiro, a meu ver, já autorizava a desconsideração de negócios jurídicos dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional. O dispositivo comentado veio apenas ratificar regra existente no sistema em vigor. Por isso mesmo, assiste razão a Heleno Tôrres, ao asseverar que a referida lateração  tão-só aperfeiçoa o que já se encontrava previsto, de modo genérico, afastando quaisquer dúvidas concernentes à possibilidade da Administração em desconsiderar os negócios fictícios ou dissimulados. 

E isto porque a confusão é imensa situando-se muitas das vezes na questão semântica entre os vocábulos simulação, previsto no art. 149, VII, do CTN e dissimulação, previsto no art. 167 do CC/02. E a confusão permanece quando se busca no direito comparado, alienígena, o significado destes termos e no princípio da unidade a interconexação entre o Direito Tributário e o Civil. 

Digno de nota é a menção de Torres (2006, p. 259): “Afinal de contas a LC 104/01 não está introduzindo uma novidade no direito brasileiro, senão que veio explicitar o que já era aplicado nos Tribunais sob a forma de combate à fraude à lei ou ao abuso de forma jurídica”. 

Independentemente das posições levantadas, propomos uma nova interpretação, levando-se em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Considerando que tais princípios constitucionais admitem uma interpretação antielisiva da lei tributária, o parágrafo único do art. 116 do CTM não fere a Constituição Federal, mas é uma norma que reforça a concepção antielisiva que prevalece da interpretação da nova Constituição. 

Assim, fica para segundo plano se a norma antielisiva trata de caso de simulação ou fraude à lei, já prevista no art. 149, Inciso VII, do CTN: 

Art. 149. O lançamento é efetuado ou revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

:

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; 

Para nós, basta dizer que a desconformidade consciente e querida em relação à vontade, ou seja, o ato ou negócio jurídico que não condiz com a verdade dos fatos, ofende, também, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.  Trata-se de mais uma situação esdrúxula.  

Também é indiferente se tal norma tem que ser regulamentada por lei ordinária, mas uma nova lei sobre o assunto enriqueceria tanto a doutrina quanto a jurisprudência, desde que analisada à luz também dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.  Dessa forma não haveria necessidade de discussões sobre se a norma antielisiva é meramente declaratória ou não. 

Conforme Ives Gandra Martins, apud, Paulsen (2009, p. 918): 

Se constitucional fosse – o que não é –a referida norma não tem eficácia imediata, pois depende de regulamentação procedimental por lei ordinária. A única tentativa de regulamentação deu-se por meio dos arts. 13 a 19 da MP 66/02, que, entretanto, foi repelida pelo Congresso Nacional, ... a eficácia da norma é futura e condicionada, não podendo, pois, para dar suporte a qualquer ação fiscal para fazê-la efetiva, sem lei que crie os procedimentos pertinentes para tal fim.   

Para Ricardo Lobo Torres, apud Abraham (2007, p. 256), contrariando a posição de Ives Gandra Martins: “a regra antielisiva é meramente declaratória e por isso só necessita de complementação na via ordinária nos casos em que o Estado-membro ou município não possua legislação segura sobre o processo administrativo tributário”. 

E aí, mais uma vez, poderíamos questionar o significado da expressão “legislação segura sobre o processo administrativo tributário”. A discussão seria infindável. 

         Com isto, não queremos dizer que tais argumentos não são importantes para melhor esclarecer a situação que ocupa o planejamento tributário no direito brasileiro e que elas dão força a interpretação não tradicional, mas que muitos destes argumentos são obliterados com a aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade.

 

6 CONCLUSÃO 

 

             Como procuramos demonstrar neste trabalho, o planejamento tributário tem sido motivo de grandes debates doutrinários, que estão longe de uma solução pacífica. Caberia a jurisprudência pacificar a situação, mas ela tem se demonstrado um tanto tímida em assumir o risco de uma nova interpretação do Direito Tributário preferindo, muitas vezes, se situar ao lado das soluções mais pragmáticas. 

         Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade poderiam contribuir para uma solução mais condizente com os anseios de uma ordem social mais justa, de acordo com as diretrizes da Constituição Federal. São importantes ferramentas para entender, em tese, a ilicitude do planejamento tributário abusivo, com a vantagem de serem perfeitamente assimiláveis pelos intérpretes da lei, não versados em erudição jurídica e pelas pessoas de senso comum, evitando-se dessa, forma as discussões mais rebuscadas. 

         Foi nossa intenção e tentativa contribuir para este debate da forma mais simples, utilizando princípios constitucionais que estão ao alcance de todos, porque, acreditamos, que quanto mais complexas e sofisticadas as argumentações mais difíceis são os caminhos da solução e de se atingir uma verdade, mesmo que relativa.  

 

  

 

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